A reportagem “Falta explicar 95% do universo”[1] com a física italiana Fabíola Gianotti, candidata ao Prêmio Nobel, deve ter deixado muita gente perplexa e curiosa, como eu, para compreender melhor este mundo dos bósons, dos spin, mésons, glúons, hádrons, quarks que somente os físicos (ou “seus semelhantes”) têm acesso.
Ufa! O que são esses nomes tão complicados? Na minha imaginação, eles se parecem mais com personagens de quadrinhos, de um mundo ao mesmo tempo mágico, deslumbrante e inatingível.
Confesso minha ignorância neste campo da Física e não ouso, de maneira alguma, explicar o significado de qualquer uma dessas possíveis partículas subatômicas, dessa teoria dos quanta, dessas descobertas cósmicas, tão fascinantes.
Ao fazer a leitura desta reportagem, uma ligação espontânea foi nascendo entre as descobertas deste espaço cósmico, interestelar, e o universo psíquico do ser humano, no qual se situam as representações simbólicas do inconsciente.
A origem do nosso universo é explicada pela teoria Big Bang, uma expansão de partículas responsáveis pela existência de matéria visível e invisível. O bóson de Higgs é mais uma das inúmeras partículas subatômicas descobertas até hoje, que tentam revolucionar as explicações sobre as leis da natureza. Essas partículas, por meio de várias pesquisas científicas, já transformaram nosso modo de vida em vários campos, como o da energia, da computação, da medicina levando a resultados práticos extremamente significativos.
Segundo a autora, a parte material do universo, constituída de estrelas, planetas e seres vivos da terra compõem apenas 5% do cosmo. Os 95% restantes representam matéria e energia escuras, ainda desconhecidas, que provavelmente, no futuro, poderão explicar uma série de eventos fundamentais da natureza, tais como a formação de planetas, os buracos negros, o surgimento do universo, nossa real origem e vários outros enigmas relacionados à nossa existência. Ainda serão necessárias muitas pesquisas científicas, aceleradores de partículas mais potentes e partículas mais exuberantes para que os pesquisadores desvendem este universo tão intrigante.
E o ser humano, nessa viagem pessoal que realiza por tantos anos de vida? O que ele conhece de si mesmo? Desde os tempos da Grécia, os filósofos tentam desvendar o mistério de nossas mentes; depois vieram os psicólogos e, há algum tempo, os neurocientistas, todos na busca de conhecer mais profundamente os meandros do consciente e do inconsciente.
Assim como apenas 5% do universo é conhecido, será que nosso consciente, representado pelas nossas percepções, pensamentos, sentimentos, sensações e memória, também se manifesta nesta mesma proporção? Então, nos 95% disponíveis estaria imerso o inconsciente, estrutura intangível e insondável?
Sigmund Freud, o criador da Psicanálise, sem sombra de dúvida, contribuiu muito para a compreensão da mente humana. Embora suas ideias promovam muita polêmica até hoje, ele acreditava que o consciente de nossa vida cotidiana, operacional, atuante, representava muito pouco de nossa existência psíquica. Ele também pensava que a maior parte de nossa mente era submersa, intocável e escondia-se nos meandros do inconsciente, que ele denominou de dinâmico, cuja base se apoia no conceito de motivação.
Recebemos, desde que nascemos, uma série de influências do meio, que nos vão preparando para a vida, desenvolvendo nosso EU, nossa personalidade e identidade, nossa consciência psicológica. Este Eu, para muitos, também é chamado de consciência, alma ou espírito (para complicar um pouquinho mais esta história toda). Por isso que William James, psicólogo americano do século XIX, disse, um dia: “Sabemos o significado de consciência, contanto que ninguém nos peça para defini-lo”[2].
Portanto, poderíamos dizer que embora não saibamos claramente definir o cerne dessas estruturas denominadas consciente e inconsciente, e nem tão pouco demonstrá-las cientificamente, elas são facetas deste mundo subjetivo, oculto, intrincado, no qual estamos inseridos.
Provavelmente Freud não se enganou. Ainda existem profundas lacunas no nosso universo psíquico, sendo uma delas, infelizmente, as doenças mentais, o lado escuro e sombrio de nossa vida.
A Neurociência chegou para nos ajudar a elucidar muitos desses enigmas, para diminuir nossa ignorância nos caminhos escuros e obscuros do cérebro. Ele também possui uma série de regiões com nomes esquisitos, como nos estudos quânticos: córtex, amígdala (que é a do cérebro, e não a da garganta), tálamo, hipotálamo, corpo caloso, cerebelo, sistema límbico e muitos outros. Este conjunto de estruturas cerebrais tem sido muito estudado, e há muitos pesquisadores que estão considerando “a essência da consciência como uma propriedade do cérebro humano”[3].
E o inconsciente? Qual será seu âmago? Continuará “vendo os homens por detrás das cortinas…”[4] e somente emergindo, de seu vasto mundo submerso, por meio do sofrimento emocional?
Fico por aqui, deixando para você, leitor, a continuidade dessas reflexões…
Dra. Elisabeth Sene-Costa
Médica Psiquiatra (M.D.) e Psicoterapeuta
[1] Revista Veja, edição 2316, ano 46, nº 15.
[2] James, W. Raízes Filosóficas. A gênese da Psicologia. In: Collin, C.; Benson, N. e cols. O livro da PSICOLOGIA. São Paulo, Globo, 2012, pp. 38-45.
[3] Andreasen, N.C. Admirável cérebro novo. Vencendo a doença mental na era do genoma. Porto Alegre, Artmed, 2005, p. 67.
[4]. Janet, P. Raízes Filosóficas. A gênese da Psicologia. In: Collin, C.; Benson, N. e cols. O livro da PSICOLOGIA. São Paulo, Globo, 2012, pp. 54-55.