O outono goteja de frio a madrugada. Naquela hora da noite, uma pergunta pulsa em minhas células cerebrais e, junto com ela, brotam espontaneamente palavras que teimam em respondê-la. Sei que a questão o que é fazer ciência é complexa e, ao mesmo, tempo, plena de nuanças sutis, mas me deixo levar pela emoção e escrevo:
Indubitavelmente fazer ciência é expandir seu olhar para o estudo sistematizado de algo, é criar, conhecer (do latim scire) por meio de normas e critérios metodológicos rigorosos, mas esta trajetória não deve ser tão solitária, penosa e obscura que conduza ao sofrimento e à angústia. Não deve ser tortura e nem tampouco obrigação – aquela que leva, unicamente, à conquista de um título.
Fazer ciência é não empregar o paciente apenas como objeto de pesquisa, mas poder fornecer a ele todo o atendimento assistencial e humano que lhe é de direito, como cidadão.
Fazer ciência é não confundir qualidade científica com quantidade (de publicações), não isentas de conflitos de interesse.
Fazer ciência é valorizar e respeitar o universo de experiências do pesquisador: daquele de mais idade cujo trabalho, provavelmente, terá a intensidade da prática que corrobora as teorias, bem como do mais novo que, embora menos experiente, traz consigo a curiosidade e o ânimo para a descoberta.
Fazer ciência é ter nobreza e elegância no trato com aqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos com o processo de pesquisa.
Fazer ciência é partilhar virtudes e humildade ante o novo que se estabelece; é dividir, é ensinar, é aprender, é colaborar, é esclarecer, tirar dúvidas, é não ocultar.
E, finalmente, fazer ciência é permear o método científico, a experiência in situ e a existência do “aqui-e-agora” com, pelo menos, um mínimo de poesia – e um máximo de paixão – para que o trabalho a caminho seja desenvolvido com amor e dele possam nascer os frutos da autêntica e desejada criação.
(Texto transcrito do livro “Universo da Depressão”, em “Conclusões”, pp. 247-248, de Elisabeth Sene)
Publicado no livro UNIVERSO DA DEPRESSÃO – Histórias e tratamentos pela psiquiatria e pelo psicodrama, de minha autoria. São Paulo, Ed. Ágora, 2006, pp. 247-248.
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